segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Tolerância zero



Mais uma notícia sobre intolerância chega aos jornais, após outras tantas a respeito de violência contra jovens homossexuais na Avenida Paulista, em São Paulo. Desta vez, um professor no Piauí resolve aplicar uma prova para seus alunos universitários com texto explicitamente homofóbico. Chega até a equiparar gays com animais! Como uma epidemia, outros casos vão pipocando e sendo noticiados com veemência pela imprensa. Horror instalado, todos estão à caça dos responsáveis, cobrando providências e justiça.


Boto reparo na onda do olho-por-olho dente-por-dente e chego à conclusão que a intolerância não é artigo de luxo, presente, apenas, na mesa de poucos. Ela é como um tamagotchi que carregamos no bolso.  Lembra daquele bichinho virtual de estimação que virou febre há quase uma década? Muitos pais conseguiram sossegar o pito dos filhos apenas os presenteando com o brinquedinho que pedia tempo para cuidados com alimentação, banho, sono e entretenimento. Pois sim, esse chaveirinho precisava ser alimentado com regularidade caso contrário morria de fome virtual! E como consequência a choradeira (bem real) dos pequenos.


O tamagotchi contemporâneo é a intolerância travestida de "opinião". Carregamos o intolerotchi para cá e para lá e o mantemos bem gordinho a base de muita fast food. De início o serelepe é mesmo fofo e cheio de manhas. Então, vamos dando comida aos pouquinhos: "O que é que tem a gente ser crítico e não tolerar isto ou aquilo?", pensamos cheios de razão. Só que a intolerância é bicho vaidoso e pede tempo e atenção. De repente o que era uma visão "realista" do mundo e das pessoas começa a enraizar e nos vemos mais afoitos que o normal num debate despretensioso.


A raiva aflora quando não encontramos nas pessoas, coisas e fatos a ética que construímos em anos e anos de sabedoria individual. Sim, há vários níveis de intolerância. Mas a velada não é menos danosa que a explícita, como a destinada, (com tamanha violência) aos que escolheram pares de mesma fôrma. Porque a intolerância contida continua lá, no lado esquerdo do peito, digo, do bolso. Permanece como um rascunho, uma intenção, uma semente, que um dia dá o ar da graça e vira planta (carnívora).


Até que se consumasse o ódio aos gays foram anos de repúdio e aversão, alimentados no plano mental. Tamagotchi qué papá. Acostumados a observar apenas a “casca” de nossos roommates  deste plano listamos dia-a-dia suas limitações engrossando o coro dos que almejam vingar de armas em punho os brios machucados da moral e dos bons costumes.


Por que não podemos fazer diferente e buscar, ao invés do dedo em riste, enxergar o que a matéria esconde por detrás? A vida que tenta se aprimorar apesar das escolhas às vezes torpes. Identificar no outro a dificuldade inerente aos homens de carne e osso de ajustar a força do pulso que dirige o timão. Não defendo os covardes; a justiça deve seguir seu rumo, mas cabe a nós, não esquecer que por toda parte – até mesmo em nosso quintal, tem bichinho comendo demais. Por essas e outras que eu sempre gostei de cachorros.

4 comentários:

  1. Começarei esse post parabenizando a Dona desse blog pela sua enorme competência, e pela excelência em suas colocações.

    Parabéns Helguitcha!!
    Feliz Natal!!
    E muito obrigado!!

    Gosto muito da Cultura Oriental e de seus provérbios, pelo nível de sua sabedoria, e pela maneira que nos fazem pensar e refletir sobre muitos assuntos.
    Há um provérbio que menciona um Monge em uma entrevista com vários homens lhe fazendo perguntas muitas delas em um tom vechatório, em tons de teste, e um deles lhe perguntou:
    "Mestre o que você acha das guerras?"
    O Monge com toda a sua sabedoria disse-lhes:
    Todos nós, inclusive eu, sofremos com nossas guerras internas entre o bem e o mal..."
    O homem muito mal educado interrompeu o Monge e perguntou:
    "Então quem ganhará Mestre?"
    E o Monge respondeu:
    "Aquele que eu alimentar"

    Pensando assim nossa intolerância também deve ser alimentada de forma correta para que não deixemos o "lado mal" tomar conta dos nossos julgamentos e por fim dos nossos atos.

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  2. Realmente, muito interessante o post. O pior de tudo é saber que as pessoas que poderiam ajudar a mudar este quadro, em grande parte (e em muitos setores da sociedade), são coniventes com as práticas. Podem não admitir a defesa das práticas homofóbicas, mas incitam o preconceito a partir do momento que diferenciam e condenam as pessoas. Os setores mais dogmáticos deveriam pensar em seus atos e se preocupar menos com a vida daqueles que sofrem condenação apenas por pensarem e agirem diferente do que alguns gostariam...
    Parabéns pelo texto!

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  3. Fernandinho
    Obrigada pelo carinho! Tenho muito orgulho de você. Sangue bom, mente flexível e coração generoso. É isso mesmo, o que alimentamos cresce e se reproduz. Mas no seu caso, seu intolerochi anda passando fome...
    Beijão!

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  4. Viviane
    Concordo com você: a manutenção da intolerância muitas vezes é até benéfica para alguns setores da sociedade porque não incentiva a reflexão. A confusão acaba ofuscando temas que poderiam ser realmente aprofundados. Obrigada pela visita! Beijão!

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