terça-feira, 26 de outubro de 2010

Espelho, espelho meu


Um, dois, três... conto em pensamento. Cogito encher a boca de água – como fez o espírito do médico André Luiz em cena do filme Nosso Lar, de Wagner de Assis. Nessa passagem do longa-metragem, baseado em livro homônimo psicografado pelo médium Chico Xavier, o espírito do doutor é convidado a tomar um copo do “santo remédio” e manter-se com a boca fechada o quanto pudesse.



Tiro e queda. A água ocupava o espaço e impedia a saída das reclamações lamuriosas. Ele até desconfiou da funcionalidade terapêutica, mas ao ouvir as queixas do companheiro ao lado logo foi oferecendo mais um copinho.



Não. Nada de água. As palavras precisavam sair. “Guardo tudo e sempre”, pensei. Então, enfileiraram-se vocábulos ásperos –que vá lá, tinham mesmo razão de ser dadas as feridas abertas. As falas desajeitadas, mais oitenta do que oito, se multiplicavam. O rosto leve fez-se sombrio e a raiva desfilou sozinha. No olhar do outro um misto de espanto e dor. E assim, entre o silêncio das dores veladas e a agressividade impulsiva das palavras construí meu castelo.



Um dia, num rompante de coerência, questionei se era essa dubiedade que me fazia presa fácil dos mesmos dissabores. Não, não era. Um amigo trouxe-me a reflexão num texto despretensioso que ofereceu via e-mail.



Não é a maneira de se defender dos outros que faz diferença, mas a capacidade de enxergar neles nossas próprias fraquezas. E trabalhá-las de dentro para fora. O “inimigo”, como espelho, desnuda nossas mais íntimas ilusões.



Como poderíamos nos inquietar com o egoísmo se não o tivéssemos arraigado como segunda pele? O mesmo para a soberba, inveja e impaciência... De outro modo, seria como a generosidade da mãe que repreende, mas absolve. O que criticamos severamente no outro é o que mais nos sobra.



Mudam-se as pessoas e situações e como o ponto não foi atingido o atrito parece externo. O “lado B” de cada um de nós precisa ser entendido para enfim descansar em paz. Então a vizinha louca espalha inverdades que te comprometem por todo condomínio e ainda tem quem diga que a fofoca está em você? Muita calma. Conte até três e cogite encher a boca d’água.

2 comentários:

  1. Não acreditamos que seja nosso aquilo que vemos no outro...projeção!

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  2. Eliana
    É verdade. Não é fácil, mas o que há de atrativo na facilidade? As coisas fáceis são palha ao vento. Beijão!!!

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