sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Recortes de muitas vidas



Descobri as escritas de Rodrigo Domit repousando em sua colcha de retalhos na estante da Sala de Imprensa da última Bienal Internacional do Livro. Tirei-as do cochilo e iniciamos um tricô como velhas conhecidas. Passeei por historietas que pareciam familiares. Ou talvez não, não sei ao certo. O fato é que poucas palavras conseguiram me fazer enxergar recortes de muitas vidas. Como se o autor pudesse perceber no percurso de cada andarilho do mundo o instante exato em que a simplicidade de algum acontecimento fosse perturbadora o bastante para tirar o sono de toda humanidade. Um pouco de Domit:

Destino
Acordou no ônibus; Não sabia para onde estava indo, não fazia idéia.
Olhou em volta, apenas indiferença. Começou a ficar incomodado com a situação. Queria perguntar para alguém sobre o destino, mas tinha vergonha. Tentou olhar pela janela, mas estava no corredor e a senhora ao seu lado dormia, com as cortinas fechadas.
Depois de certo transtorno, resignou-se coma a situação. Nunca achou que fosse chegar a lugar algum. Algum lugar –qualquer que fosse – já seria longe.


Caminhos
Ia sempre em direção contrária ao fluxo.
Sabia que nunca ia ter carona; Mas sabia, também, que sempre haveria alguém para andar ao lado.

Incógnita
Era viciada em reuniões de anônimos.
Na esperança de ser notada, ia a todas. Dos narcóticos aos workaholics, passando por alcoolistas, comedores compulsivos e mulheres que amam demais.
Tudo o que ela queria era deixar de ser anônima.

Capacidade
Desde que o tempo é tempo, as pessoas desejam ter a capacidade de enxergar através das outras. Sensações, sentimentos e os mais profundos pensamentos. E a essa capacidade, deu-se o nome de compreensão. 
 
Nos tempos atuais, caminhando pela rua, percebe-se que as pessoas têm a capacidade de enxergar através das outras; A essa capacidade, dá-se o nome de indiferença.

Domador de demônios

Deito em minha cama e milhares de pequenos demônios infestam-me as idéias, o travesseiro e o canto escuro do quarto. Ando cautelosamente até o som, ligo-o e volto para a cama; Com a música, ao menos eles dançam.

4 comentários:

  1. muito obrigado!

    fico muito feliz com os caminhos que este livro tem trilhado ... e mais ainda por saber das reações que causou por aí


    abraços,

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  2. Rodrigo
    Surpresa boa você por aqui! Parabéns pelo talento e versatilidade na costura das palavras. Seu livro foi um presente do acaso e me encanta a cada releitura. Que possa chegar, assim sorrateiro, a muitos leitores pelo caminho. Abraços. :)

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  3. oi, Helga


    tomei a liberdade de republicar e agradecer por aqui ó:
    http://rodrigodomit.blogspot.com.br/2012/09/retorno-inesperado.html

    um grande abraço
    e obrigado pelo seu comentário em relação ao livro!

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  4. Agradeço a delicadeza da publicação!
    E ao acaso pelos presentes inesperados.
    Sucesso! :)

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