domingo, 17 de outubro de 2010

O lembrete de Maude



Sempre que lavo as mãos ou a louça tiro os anéis que estou usando. Deixo os adereços em algum lugar próximo, para depois devolvê-los. No dedo ensaboado, fica apenas a aliança. O costume vem da adolescência.


Naquela época (quase ontem...) gostava mesmo é de usar cabelão solto, saia hippie e chinesinhas no pé. Decididamente não havia espaço para acessórios de fina monta. Tinham para mim um ranço de superficialidade gratuita. O pouco que tinha de ouro, prata, brilhante e afins -ganho de presente; morava num porta-joia esquecido no armário.


Os meus acessórios prediletos eram feitos de palha, búzios, sementes, contas e de uma infinidade de arames e fios baratos. Todos criados por artistas de feirinhas alternativas. Então, tudo que usava nos dedos devia ser tirado toda vez que minha mão fosse encontrar água. Caso contrário, a vida útil dos mimos teria prazo incerto.


Assim foi, também, com as bijouterias, que pouco depois me encheram os olhos. Daí consolidou-se o ritual do tira e põe, mesmo que existisse entre os adereços algum de origem nobre. Muitos ficaram pelo caminho, em banheiros e cozinhas por aí. Outros voltaram pelas mãos de amigos ou parentes.


Formado por inúmeras florzinhas em prata –delicado, porém, vistoso, romântico, mas, ousado; um anel que eu gostava muito, esquecido, também, não voltou. Desconfiei de cara que o sumiço tinha o dedo de Maude. Afinal para uma velhinha engenhosa que rouba fusquinhas de padres indefesos o que é levar um anel carregado de margaridas?


Sim, só podia ser a octogenária. Quase posso escutá-la dizendo: “nada pertence a ninguém. E eu só estou te fazendo lembrar...” Eu sei condessa. É só um anel, mas o puxão de orelha vale para todo o resto. Não temos nada de fato. Nada nos pertence de palpável. São pessoas, coisas e acontecimentos que teimamos em colocar coleira. Na ilusão do controle.


Criamos manuais de como as coisas devem funcionar e listas do que ainda pretendemos acumular até os olhos fecharem pela última vez. Reunimos os nossos “pertences” no mesmo balaio e quando algo nos é retirado viramos bicho em guerra por alimento. Reivindicamos com facas em punho coisas que não fazem a menor diferença. Não deixam de ser apenas coisas.


Porque não somos carne e osso, mas a vida por detrás. A experiência e os sentimentos que estão nos bastidores. Quando damos a existência o valor compatível às nossas ilusões de falta ou sobra ela torna-se estéril e vazia. “Há que se perder o anel sem perder a ternura” sussurra Maude, a inesquecível personagem de Ensina-me a viver, de Colin Higgins, que interpretada por Glória Menezes na excelente montagem de João Falcão encanta-se por um jovem obcecado pela morte (papel de Arlindo Lopes).


Na temporada que a peça cumpre nas cidades de Vinhedo – SP, Recife-PE e São Luiz-MA, já antevejo no dedo da idosa apaixonada pela vida em seus detalhes o meu anel. E o seu também.

4 comentários:

  1. Helga, parece que vc está bem do meu ladinho falando do seu blog, sou testemunha viva da sua criatividade do seu jeito próprio de ser. O Conversa vai e conversa vem, me faz muito bem, não consigo abrir o meu comput sem dar uma espiadinha no seu blog p ver se vc postou algo p a minha leitura. Parabéns continue assim . Tia Maria Elisa.

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  2. Vc sabia q sou sua grande admiradora de longa data????
    Tenho saudades da época em que trabalhávamos juntas...mas, nem tudo é para sempre, não é mesmo?? Somos seres sempre em busca, em busca de algo que nos complete por dentro e isso e vida...faz parte...mas, ainda bem q existe a net e agora vou poder acompanhar as suas descobertas que tanto fazem bem à nossa alma!
    Você realmente e especial!!!!!
    Beijo da amiga Eliana

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  3. Tia Elisa
    Que bom saber que podemos estar em sintonia mesmo distantes! E que minhas palavras te fazem bem. Fico muito feliz! Volte sempre e que cada post novo seja um abraço meu!! Beijão!

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  4. Eliana
    Eu também sou uma admiradora sua! Mas não diga "de longa data" porque nos denuncia...rs O TCM foi uma fábrica de amigos queridos!! Você sabe disso... Me acompanhe sempre que quiser neste mundo de descobertas interiores. Beijão!!

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