quarta-feira, 4 de abril de 2012

De verdade


Descobri que brinquei demais de não ser eu. Que passei muitas estações em papéis criados pelo meu ego –iludido que só, que conseguiria me fazer unânime. Aprendi a me moldar como a água que adquire a forma do vasilhame ou uma gueixa resignada. Especialista em se transformar em segundos num personagem caricato, criado a partir de impressões colhidas dos meus interlocutores da vez.
Compreendi que acreditei genuinamente que era cada uma destas máscaras. Como um mitômano que passa a viver piamente suas inverdades. Cego às incoerências de quem atende gregos e baianos. 24 horas. Dançando na corda bamba como se o espetáculo tivesse graça.
Senti a dor dos insanos que se perdem no vazio de sentido. Porque a briga travada entre a alma e o ego não se revelou de pronto. E tem-se a impressão que o desassossego é uma morte em vida. Uma sina de quem nasceu sem sorte. Descobri que sangue escorre nas lágrimas. E angústia é uma solitária no estômago.
Instintivamente apaguei a luz e saí de cena. Não havia mais forças, nem raciocínio. Comecei a lamber as feridas. Como se não fosse importante entender mais nada. Como se não houvesse um futuro nem um histórico. Apenas a festa do silêncio.
E quando, enfim, cessou o turbilhão de falas e gestos enlatados, percebi que não havia mais como brincar de ser invisível.  Precisava abrir o baú lacrado pela minha ignorância de mim. Descobrir os segredos sufocados e ser de verdade.

6 comentários:

  1. "Angústia é uma solitária no estômago" é uma definição poderosa. Me fez lembrar de Sylvia Plath: "Sou habitada por um grito".
    Lindo texto, Helguinha.
    Bjs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada Paulo.
      Suas referências são sempre preciosas.
      Um beijo.

      Excluir
  2. Helga vc me presenteou tanto com seus personagens, sinceramente, me ensinaste tanto com sua alegria vc está sempre em nossas lembranças,citamos vc em momentos preciosos das nossas recordações,não te feches em copas....viva.. sempre minha querida .. .bjs te amamos Tia Elisa.Tati, Camila e Ciça.

    ResponderExcluir
  3. Obrigada tia Elisa!

    Na verdade sinto que agora estou vivendo de verdade. Me enxergando com os defeitos e qualidades que tenho e voltando para casa. Faltava na minha alegria cotidiana (que agora é mais genuína) o conhecimento de mim.
    Tarefa de gente grande, mas bastante dolorida.
    Me fecho para me abrir mais perfumada em outras estações. Amo vocês também!
    Beijo grande.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Helga, sempre aprendendo contigo....considerações maternais. Te amo bjs. Tia Elisa.

      Excluir
  4. Tia, ter seu carinho é um privilégio! Sempre. Beijo!

    ResponderExcluir